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Por que é tão difícil dimensionar pavimentos com precisão?
"O dimensionamento de um pavimento é muito mais complexo do que aquilo ensinado muitas vezes em sala de aula ou apresentado pelos métodos empíricos, a variação da pressão de enchimento dos pneus reflete em aumento significativo do dano ao pavimento e reduz de forma drástica a vida útil da estrutura."
Durante muito tempo os ábacos desenvolvidos por meio das pistas experimentais da AASHO, e algo ainda em vigor no Brasil através do método DNER (1981), nos levaram a uma breve e precipitada conclusão de que estruturas de pavimentos são fáceis de serem dimensionados.
Afinal nós calculamos o número de repetições do eixo padrão rodoviário (N), encontramos valores em ábacos e substituímos nas inequações para encontrar as espessuras equivalentes de material granular. Algo fácil, né? Mas não é bem assim.
A carga transportada pelos veículos em rodovias ou na mineração, por exemplo, são distribuídas no pavimento por meio dos pneus. Através da física básica nós sabemos que a pressão de enchimento dos pneus é o quociente entre a carga transportada e a área de distribuição da carga.
É justamente nesses pequenos itens citados acima que a dificuldade de se dimensionar um pavimento com precisão começa.
É sabido que o eixo padrão rodoviário é composto por um eixo simples de rodas duplas, com carregamento de 8,2 toneladas (80kN) e o enchimento dos pneus de 80psi (0,56MPa), valores esses utilizados muitas vezes em análises mecanísticas como critério de dimensionamento e de análise de tensões e deformações.
Entretanto, com o avanço da tecnologia, as empresas desenvolvem pneus com cada vez maior capacidade de enchimento visando reduzir a resistência ao rolamento, melhorar o consumo de combustível ou ainda aumentar a vida útil dos pneus em veículos comerciais. Segundo FERNANDES (1994) durante a AASHO Road Test as pressões de enchimento variavam de 75 a 80 psi, mas com a chegada dos pneus radiais as pressões hoje variam de 100 a 105psi nos Estados Unidos da América, na Europa com o uso de pneus extralargos a pressão de enchimento chega a 140 psi. Já no Brasil embora faltem dados a respeito disso pode-se considerar que chegam a 120psi.
Esse aumento da pressão de enchimento dos pneus, mas mantendo igual a carga aplicada, resulta na distribuição em uma área menor e reflete em um aumento significativo das tensões nas camadas do pavimento, principalmente na fibra inferior do revestimento.
A Figura 1 ilustra uma análise de tensões onde foi considerado o mesmo carregamento de ESRD (80kN) e mesma estrutura do pavimento, mas mudando a pressão de enchimento de 80psi a 100psi.
Figura 1 – Análise de tensões no pavimento mudando a pressão de enchimento. Fonte: Autor (2019)
Para a fibra inferior do revestimento, localizada a 50mm da superfície nesse caso, observa-se que a variação de 80psi para 100psi resulta em um aumento de aproximadamente 24% nas tensões de tração. Entretanto, assim como verificado também por FERNANDES (1994), considerando a lei da quarta potência um acréscimo de 24% na resposta estrutural resulta em 136% de aumento na deterioração do pavimento.
Em alguns países, como por exemplo no Guide to Pavement Technology Part 2: Pavement Structural Design da AustRoads (2017) sugere-se a utilização da pressão de enchimento dos pneus de 750 a 800kPa (aproximadamente 110psi), embora ainda indique que os dados disponíveis sobre o assunto indiquem uma variação de 500kPa a 1200kPa.
Ou seja, o dimensionamento de um pavimento é muito mais complexo do que aquilo ensinado muitas vezes em sala de aula ou apresentado pelos métodos empíricos, a variação da pressão de enchimento dos pneus reflete em aumento significativo do dano ao pavimento e reduz de forma drástica a vida útil da estrutura. Além disso, outros fatores como a sobrecarga em estruturas de pavimento ou ainda a relação entre a aderência das camada podem influenciar na vida útil da estrutura dos pavimentos.
Referências:
AUSTROADS. Guide to Pavement Technology Part 2: Pavement Structural Design da AustRoads. Sidney, 2017.
FERNANDES JÚNIOR, J.L. “Investigação dos efeitos das solicitações do tráfego sobre o desempenho de pavimentos”. Escola de Engenharia de São Carlos – EESC USP. São Carlos, 1994.