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Você é do Agro? A digitalização vai te... pegou
"A geração que demorou a aceitar a agricultura de precisão é completamente diferente desta que dará as cartas nos próximos 10 anos. Estes foram criados no digital e para eles é muito mais natural lidar com tanta informação."
O setor agrícola é a locomotiva de nossa economia. A agricultura e pecuária são responsáveis por grande parte do Produto Interno Bruto brasileiro e por equilibrar nossa Balança Comercial, fazendo com que o país tenha importância estratégica no fluxo econômico e de desenvolvimento mundial. Nenhuma novidade nisto nem no fato de que, em negócios que movimentam cifras tão altas, qualquer grande tendência chama atenção de muita gente. Gente essa que nunca se interessou por terra ou bicho, mas que vem trazendo cada vez mais para a discussão termos que até agora não nos soavam familiares, como Indústria 4.0, Big Data, Design Thinking, Gestão da Inovação, Transformação digital entre várias outras coisas que – à primeira vista – nada tinham a ver conosco. Este é o novo cenário: é uma situação posta, contra a qual pouco há o que se fazer e que afetará todos os atores do agronegócio.
É sabido que o agronegócio, por uma infinidade de fatores – muitos deles fora de nossa zona de controle como o clima e preço no mercado internacional, mas também uma forte carga de conservadorismo – é um seguidor lento em termos de tecnologia. Crescemos muito em produtividade nas últimas décadas graças à técnicas mais elaboradas de manejo a campo e o advento de ferramentas de agricultura de precisão; melhoramos também nossa gestão com a profissionalização na gestão do negócio, trazendo de vez o sufixo “–negócio” para o “Agro”. Mas o gap entre o desenvolvimento de soluções voltadas ao agronegócio e sua adoção em escala sempre foi um problema muito grande para que avançássemos mais rapidamente rumo a resultados mais expressivos. Um exemplo claro é a baixa adesão dos produtores brasileiros à utilização de seus sistemas de mapeamento de colheita, a informação mais importante para o entendimento dos resultados da safra colhida e indispensável para a geração de prescrições tecnicamente refinadas para os próximos plantios. Em diversos casos o produtor compra suas colhedoras com o sistema de monitoramento embarcado e o desliga simplesmente porque não sabe, não quer ou não foi orientador em como o utilizar, jogando fora um dado pelo qual ele pagou caro. É cristalino que os diferentes profissionais ligados à assistência ao produtor rural, sejam eles consultores, distribuidores de insumos ou concessionários de máquinas pecam na captura e transmissão de valor de tecnologias que trazem benefícios inquestionáveis ao agricultor, fazendo com que o desenvolvimento a campo seja menos rápido que poderia estar. Mas, se a Agricultura de Precisão já está no meio de sua segunda década de vida e ainda estamos patinando na adoção de tecnologias básicas, como falar em digitalização e Agricultura 4.0?
Infelizmente nosso profissional agrícola não é preparado para a utilização de ferramentas computacionais que podem auxiliá-lo na assistência técnica a campo. A aversão ao digital é, em casos facilmente observáveis, alimentada e glamourizada no convívio diário entre estes profissionais que, em função de pressões comportamentais de seus pares, deixam de repassar ao produtor rural os benefícios de diversas ferramentas digitais e acabam perpetuando a falácia que coisa de agrônomo é terra e não tela, como se uma coisa excluísse a outra.
Muitos ainda acreditam e alimentam o estereótipo do agrônomo “chucro” e por vezes criam bloqueios indissociáveis ao aprendizado de programas e rotinas simples que facilitariam muito o próprio dia-a-dia, beneficiando diretamente os seus agricultores assistidos.
Infelizmente, e esta é uma mera percepção pessoal, esta mudança de cultura não será rápida como o novo ambiente exige.
No entanto, as grandes empresas e diferentes setores já sabem há tempos os benefícios do tratamento de dados para a condução de seus negócios. Casos clássicos como o da rede Target no início desta década descobrindo a gravidez de uma garota antes dela mesma somente monitorando os dados de seu comportamento de compra, mostram que a utilização de meios computacionais não é lá grande novidade e ilustram o potencial da mineração de dados.
Os grandes players globais da agricultura, observando os inúmeros ganhos potenciais na utilização de inteligência de dados para seus negócios, decidiram capitanear esta transformação e estão desde então em polvorosa em busca da maior quantidade possível de dados do produtor de e sua atividade. A Monsanto/Bayer, por exemplo, já investiu mais de 1,5 Bi de dólares na aquisição de empresas de base tecnológica, como a Climate Corporation, 640 Labs, Solum, dentre outras, gerando a Climate Field View, poderosa ferramenta que teve seus impressionantes avanços apresentados no belíssimo FieldView Experience no último mês; A Syngenta anunciou recentemente a compra da mineira Strider e coleciona ações neste segmento agrodigital, Nufarm firmou recentemente parceria com a Farmers Edge, BASF e Yara estruturaram seus próprios programas de aceleração de empresas dentre diversos outros exemplos de empresas que tem como core business (até então) o fornecimento de insumos agrícolas. Em outra frente, fundos de capital multimilionários aportam recursos o tempo todo em novas empresas de base digital, como é o caso de várias brasileiras promissoras como InCeres e Agronow. É pouco provável que este movimento, pelas cifras em jogo e pela pujança dos atores envolvidos, vise somente a construção de plataformas de suporte técnico à tomada de decisão, pois o faturamento direto gerado por estas ferramentas pouco significa frente ao enorme faturamento destas empresas. Não serei eu a fazer o juízo de valor sobre as motivações da captura de tantos dados (o que dá pra fazer com eles é o motivo para outro artigo) e o impacto disto na relação entre agricultor e corporações, mas posso afirmar sem sombra de dúvidas que há muito valor estratégico nestas informações a ponto de torná-las tão valiosas. Por outro lado há muito ganho potencial para o produtor na adoção consciente de ferramentas como todas estas que citei acima – são de fato belos organizadores de assistência técnica, poderosos geradores de insights sobre a lavoura e substitutos eficazes das cadernetas de campo; tudo isto com o bônus de gerarem automaticamente belos gráficos, tabelas e mapas de fácil entendimento por qualquer um que tenha um mínimo histórico na agricultura. Os dados serão sim utilizados para orientação estratégica de negócios e é muito importante que todos os envolvidos acompanhem de maneira atenta a questão regulatória de propriedade, privacidade e uso destes dados, questão ainda nebulosa e amplamente discutida no mundo todo. Somente com uma vigilância constante e com todos os interessados apresentando suas óticas é possível que não haja abusos ou excessos durante esta transformação da agricultura rumo ao digital.
Mas como fazer com que este nível mais refinado de digitalização chegue a campo com o engajamento correto, dado que nem o básico da agricultura de precisão conseguiu uma boa adesão? Bem, nas empresas de base digital os conceitos de experiência do usuário e “usabilidade” orientados pelo Design Thinking já fazem parte do dia-a-dia do desenvolvimento há tempos, então o caminho da simplificação para garantir o engajamento foi natural. Estas ferramentas são de uso extremamente simples e intuitivo, o que faz com que o acesso organizado e objetivo às informações da lavoura tenda à democratização, saindo do monopólio das empresas de assistência técnica, concessionários de máquinas e distribuidores de insumos, que se viam obrigadas a pagar licenças caríssimas e anuais de softwares tecnicamente profundos e complexos, muitas vezes sequer com tradução para o português, para atender o produtor com uma informação apresentada de maneira que em muitas vezes não fazia sentido a ele – sendo este um dos principais motivos da adesão insatisfatória às ferramentas de precisão. Além disto, com a simplificação a tendência é que deixará de haver a indispensabilidade do intermediário para o input e processamento de dados, podendo estes ser feitos de maneira fácil e direta pelo produtor e equipe da fazenda, a campo e até offline com sincronização automática. Neste sentido, nos moldes que conhecemos hoje, o produtor é beneficiado com acesso à informação organizada e de melhor qualidade para a sua tomada de decisão, a empresa fornecedora da tecnologia com a relação com a ponta sem intermediária – e com acesso aos dados com menos ruídos.
Quem fica com um alerta vermelho é o distribuidor de insumos e o antigo “vendedor de revenda/cooperativa”. Nunca antes houve tanto conhecimento e ferramentas de acesso direto aos produtores por parte das empresas de fertilizantes, sementes e defensivos e ninguém acha razoável e modela seu negócio para ser somente um CD e assumir todo o risco da operação, dados os rumos que a relação indústria x canal vem traçando: é preciso repensar – e rápido – a distribuição de insumos. A transformação do ambiente de negócios trazida pela digitalização imprimiu uma velocidade nunca antes vista a este setor que é conhecidamente conservador em inovação. Diversos livros de Marketing e Estratégia Empresarial nos alertam sobre os riscos de uma nova variável que afeta seu ambiente de negócios de maneira drástica quando você não está preparado. Há um descompasso enorme quando a indústria fala em Big Data de um lado enquanto no outro há dificuldades para colocar um CRM ou um sistema de geração de ordens de serviço de manutenção para funcionar, e isto tem potencial para causar prejuízos enormes em um setor que já vem sendo afetado por custos altos, concentração, grande concorrência e margens cada vez mais achatadas.
A geração que demorou a aceitar a agricultura de precisão é completamente diferente desta que dará as cartas nos próximos 10 anos. Estes foram criados no digital e para eles é muito mais natural lidar com tanta informação.
Cabe aos profissionais e às empresas que fazem a ponte entre indústria e produtor a única opção de vigilância constante e se aliarem à tecnologia para ganharem agilidade e tomarem decisões mais rápidas e acertadas. O agrônomo/distribuidor que vai até fazenda falar de frango caipira e Flamengo já não está achando audiência fácil, pois está todo mundo ocupado analisando dados e tomando decisões complexas; ou ele entende o máximo de ferramentas possíveis para auxiliá-los nisto ou está fora do jogo, fadado ao ostracismo precoce. O jogo é e será este – cada vez em maior número, mais acessíveis e melhores ferramentas à disposição. Ainda há tempo, porque elas – ainda – não substituem o poder de tomada de decisão do humano.
Créditos da imagem: https://www.ethz.ch/en/news-and-events/eth-news/news/2016/04/a-model-for-digital-agriculture.html